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Texto exposição José de Quadros no Sesc Ribeirão
Novembro de 2008

O pintor: um ponto de vista

Angélica de Moraes

José de Quadros tem consistente formação de pintor. Quando primeiro apresentou sua pintura no Brasil, nos anos 1990, já demonstrava bases sólidas. Trazia paisagens de densas florestas, feitas com revoltas camadas de tinta, mergulhadas na tradição do paisagismo alemão do século 18 e traduzidas para temperamento de viés expressionista. O artista retratava a angústia escondida naqueles belos bosques de Kassel, cidade onde vive.

Vale lembrar que Kassel ganhou enorme área verde depois de ser quase varrida do mapa pelos bombardeios aéreos da Segunda Guerra. Algo desse drama ressoa naquelas árvores, cujo espaçamento regular de plantio dá conta do artifício. A natureza não teria essa obsessão pela simetria. O pintor ressaltou o paradoxo, ajudando a empurrar o gênero clássico da paisagem para a contemporaneidade. Ou seja, para um olhar onde a inocência está cancelada e já não se pode esquecer o passado mais que imperfeito irradiado no presente.

As telas que José de Quadros traz para esta mostra no Sesc\Ribeirão Preto também são paisagens e também revisitam a história da arte de um modo autoral, trazendo frescor e talento à pintura contemporânea. Também apontam algo pulsante abaixo da pele da aparência. São paisagens interiores e do horizonte imediato vistos desde seu ateliê brasileiro, situado na periferia de São Paulo, no bairro de Vila Zelina. O tema do ateliê, recorrente desde a pintura holandesa do século 16 – atingindo seu ápice na tela As Meninas, que Velásquez pintou em 1656 – destaca um certo ponto de vista: o do pintor. Porque, afinal, o que importa na pintura (e em qualquer expressão artística), não é a narrativa mas o modo de narrar. Ou seja: a linguagem. E linguagem é o outro nome para o ponto de vista do artista. Aquele que ele deseja compartilhar conosco.

O artista nos traz nesta mostra um ateliê contemporâneo, sem qualquer aura que possa fazê-lo pairar acima das injunções terrenas. É um ateliê-oficina, local de trabalho disciplinado e árduo. Não há fumaças fátuas da inspiração e sim construção sólida pelo esforço diário ali dispendido. Há ferramentas, como a escada. Ou detalhes emblemáticos, como a janela basculante e as velhas antenas de televisão reduzidas a contornos gráficos. Os postes de iluminação, irradiando fios negros, demonstram com nitidez que o artista estabelece rigoroso equilíbrio entre pintura e desenho, entre superfícies de cor e estrutura de linhas.

As camadas de tinta agora são descarnadas, quase planas como o papel, superfície habitual do desenho. Mas a sobrepintura, o cancelamento do traço pela cor, demonstra que o pincel é o protagonista e o lápis é o coadjuvante com função de estruturar a composição. Mais do que exercício formal, no entanto, estas telas tratam da desmistificação do lugar do artista. É um ateliê que se abre (e abre nossos olhos) para a crueza de uma paisagem negada, escondida nas franjas da megalópole que se prefere traduzida em edifícios altos e reluzentes.

José de Quadros nos lembra, nestas pinturas de grande coesão e qualidade, que o lugar do artista nunca foi nem poderá ser isolamento ou refúgio, por mais áspero que o mundo seja. O artista é o operário que arranca do cotidiano e da experiência pessoal de vida a matéria a transfigurar nesta sutileza que nos atinge e modifica: a arte. Porque, como já afirmou o dramaturgo inglês Tom Stoppard, “só há consolo na arte e no breve raio de verão da nossa felicidade”.

© 2013 José De Quadros |
 
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